MÁRIO MOURA

Abr 01 2019 /

 23/03/1965 - Alvinópolis

 

A euforia com o fim da ditadura militar e as campanhas pela redemocratização do país fizeram renascer a tradição dos blocos carnavalescos. No Bairro de Botafogo, zona Sul do Rio de Janeiro, um grupo de artistas e intelectuais liderados pelo barbudo-mor Nelson Rodrigues Filho resolve fundar no bar homônimo, em 1985, o Bloco do Barbas, espécie de herdeiro natural da Turma do Funil, cujos integrantes são quase os mesmos: Noca da Portela, Paulinho da Viola, Walter Alfaiate e Mauro Duarte, entre outros.

Um jovem branco de classe média, de olhos claros e uma sede descomunal costumava circular por lá, atrás de um chope gelado, uma batucada ou uma conversa com os bambas. Foi em Botafogo que o mineiro de Alvinópolis, na Zona da Mata, Mário Emílio Moura, então com pouco mais de 20, entrou para valer para a história do carnaval de rua do Rio de Janeiro. “Nelsinho, quero fazer um samba para o Barbas, pode?” Nas apresentações, porém, ansioso, cantava o tema muito rápido, o que lhe rendeu os primeiros ensinamentos do autor de “É preciso muito amor, para suportar essa mulher...”.

“O Noca chegou e pediu para eu cantar o samba mais lento, para que as pessoas ouvissem a melodia e a letra”, relembra, agradecido pelo conselho do portelense, que também disputava o melhor tema sobre a ressaca para o Bloco do Barbas no carnaval de 1986. O samba do mineiro, porém, agradou mais e na votação direta, por 44 a 36, venceu os favoritos Noca da Portela, Sereno (do Fundo de Quintal), Roberto Serrão e JB. “Comecei a fazer samba nos blocos, por um bom tempo. Entrava para as competições e não perdia, a não ser para o Mauro Duarte, que também era uma covardia”, diverte-se.

“O Mário é um tremendo melodista, compõe de maneira intuitiva, com letras divertidas e inteligentes”, elogia o crítico musical e jornalista carioca João Pimentel, o Janjão, autor do livro Blocos, lançado em 2004, que conta a história do renascimento do carnaval de rua do Rio de Janeiro, sobretudo o fenômeno dos cordões da região Centro- Sul, em uma época em que já era decretada a morte desse tipo de carnaval. “É uma história que não havia sido contada”, emenda.

João Pimentel lembra que o carnaval de rua é um dos maiores traços da identidade do carioca. Antes, os blocos saíam com um pequeno número de foliões. Nos últimos cinco anos, há cordão que reúne 50 mil pessoas, como o Bola Preta. “Hoje, virou uma verdadeira loucura. Tem bloco que sai escondido para não reunir multidão”, completa, ao salientar que só o poder público ainda não atentou para a importância do movimento. Só para se ter uma noção, apenas o Bairro de Laranjeiras, também na zona Sul, abriga cerca de 50 blocos no período de carnaval.

Nesse contexto de resgate do carnaval de rua do Rio de Janeiro, Janjão destaca o papel de Mário Emílio de Moura e, sobretudo do amigo e parceiro Gallotti, que ajudou a trazer de volta as rodas de samba para a zona Sul e a região da Lapa. Juntos, fizeram em 1995 um samba para concorrer no bloco Simpatia é Quase Amor, criado às vésperas do carnaval de 1985, em Ipanema. “Mais uma vez, concorri com o Noca da Portela e ganhei com um voto de minerva dado pelo presidente do bloco”, conta Mário Emílio Moura. Mais tarde, a música chegou a ser gravada por Beth Carvalho.

De acordo com Janjão, o samba Um piano para o infinito, em homenagem a Tom Jobim, que havia morrido em dezembro de 1994, virou um verdadeiro hino do Simpatia é Quase Amor, cujo nome foi tirado de um personagem de Aldir Blanc, Esmeraldo Simpatia é Quase Amor, um “fanfarrão conquistador e simpático”.

O feito de vencer quatro compositores tarimbados, na disputa do samba do Bloco do Barbas, em Botafogo, foi a credencial de Mário Emílio Moura para entrar para a ala de compositores do Salgueiro. O mineiro, que morava no Rio de Janeiro desde o início da década de 1970, já era torcedor da escola em 1975, quando a agremiação da Tijuca faturou o bicampeonato.  A partir de 1985, passou a desfilar na escola e aos poucos ia ocupando espaço. “Era a escola do momento, não passava três anos sem ganhar títulos”, justifica.

“Jorginho da Cadeira queria fazer um samba comigo, mas eu não era da ala de compositores. Então contei a história do Barbas e entrei”, conta. O músico cantava sambas na quadra da escola, mas ao contrário do sucesso nos blocos, não chegou a classificar nenhuma composição para ser defendida na avenida. Porém, a admiração da velha guarda vermelha e branca por Mário Emílio Moura foi recíproca. “Uma das primeiras pessoas que me incentivou foi o Didi da Ilha, que era compositor do Salgueiro”, diz Mário, ao citar o autor de sambas clássicos como "É hoje!". Com outro salgueirense, o poeta maranhense Ferreira Gullar, assina a melodia de Um delírio vermelho e branco.

Outro que o incentivava era Anescarzinho do Salgueiro, que no ano de nascimento de Mário Emílio Moura, em 1965, integrava o lendário musical Rosa de ouro, ao lado de Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Araci Corte e da “estreante” Clementina de Jesus. Como já era conhecido no morro e precisava economizar algum dinheiro, chegou a morar na parte baixa do Salgueiro, na região chamada de “fecha-paletó”, entre 1991 a 1995. Em um domingo, voltando para casa às 7h da manhã, foi convidado por Anescarzinho para acompanhá-lo até o chamado Museu do Segundo Reinado. No dia, o museu não estava aberto ao público e Mário, mesmo cansado, assistiu a uma aula de história dada pelo sambista.

“Ele me pediu para aguardar um pouco que tinha que resolver uma coisa. Com sono, dei uma cochilada e fui acordado por um segurança, que só não me expulsou porque o Anescar chegou a tempo. Quando percebi, estava dormindo na cama da Marquesa de Santos”, diverte-se. “ “Ele era queridíssimo no Salgueiro, ajudava as pessoas mais velhas a carregar as compras. “O Mário tem lindas melodias, que devem ter sido aprendidas neste tempo em que esteve no Salgueiro”, completa o jornalista e parceiro João Pimentel, o Janjão. 

“Viver não dói. O que dói é a vida que se não vive. Tanto mais bela sonhada, quanto mais triste  perdida”. Os versos do modernista Emílio Moura, que ao lado de poetas do timbre de Carlos Drummond e Mário de Andrade revolucionaram a literatura brasileira, a partir da década de 1920, podem servir como síntese da caminhada do neto, Mário Emílio Moura, pelos caminhos do samba. A exemplo do avô, que, discreto, fincou os pés em Belo Horizonte, enquanto os colegas ganhavam o eixo Rio-São Paulo, o sambista também optou pelo caminho inverso, deixando décadas de convívio com os cariocas para se instalar no Bairro de Luxemburgo, zonal Sul de BH, há 11 anos.

Quando voltou definitivamente, em 1996, as rodas de samba na capital, sobretudo na região Centro-Sul, eram tímidas. Mas logo se juntou a outros adeptos do chamado “samba de raiz”. Um dos primeiros foi o Prato e Faca. Depois ajudou a formar o Fidelidade Partidária, e integrou mais tarde o Goiabada Cascão. Boêmio nato, é figura fácil nas rodas e shows de samba, desfilando um repertório de mais 700 canções que jura saber de cor, fora outras milhares em que canta “o refrão ou a primeira parte”.

“O samba em BH está crescendo e outra coisa: o mundo está cada vez mais próximo”, explica o autor de mais de 70 composições, que só agora começa a tomar forma pelas bandas de cá. O grupo Bantuquerê incluiu em seu DVD o samba-enredo a Alma dos Buritizais, em homenagem ao cinquentenário do livro Grande Sertão: Veredas, da obra de João Guimarães Rosa. O vídeo foi tirado do show Do terreiro à escola de samba, gravado em novembro do ano passado, que deverá ser lançado em meados deste ano.

“O Mário fez esse samba especialmente para o grupo”, completa o percussionista Bill Lucas, filho do professor e crítico literário Fábio Lucas, amigo do poeta Emílio Moura. “Desde de criança eu freqüentava a casa do avô do Mário, mas não o conhecia. Só mais tarde que nos aproximamos por causa da paixão pelo samba e pelo Atlético Mineiro”.

Filho dos economistas Antônio Luiz Portugal Moura – falecido há dois anos – e Cristina França, Mário Emílio Moura teve pouco contato com o avô. “Quando ele morreu, em 1971, eu tinha uns 6 anos. Mas suas poesias e a literatura sempre me marcaram”, conta. Uma de suas lembranças que ilustra bem a relação da família com a literatura era um comentário que sua avó fazia: “Joãozinho morreu cedo”. Mais tarde, por intermédio de sua mãe, ficou sabendo que a referência era a João Guimarães Rosa, frequentador assíduo da casa de Emílio Moura, onde passava sempre para tomar um café. 

Trechos de reportagem do jornalista Zu Moreira para o Diário da Tarde - 7/05/2017

 

 
 
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