A história de João, Plínio e Mauro Saraiva remonta aos idos dos anos de 1950, quando o irmão mais velho e já falecido, Pedro Saraiva, disputava com nomes como Rômulo Paes, Ataíde Machado, Jadir Ambrósio, Rosalvo Brasil e o então jovem Gervásio Horta, entre outros, o título de maior compositor de marchinhas de carnaval da cidade.
Filhos de Gumercindo, também músico, os Irmãos Saraiva fazem parte da memória da cultura popular e compõem o núcleo de resistência instalado na cidade sobre a alcunha da Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte. “O Pedro foi um dos grandes campeões do carnaval de BH, porque ganhou oito vezes com os sambas-enredo”, recorda João Saraiva, cuja primeira marchinha composta com o irmão, Você chorou, em 1956, teve que ser readaptada para encaixar o recém-parceiro Rômulo Paes.
Junto com outros talentos, Pedro Saraiva fez história em Belo Horizonte, com músicas que fazem lembrar os carnavais movidos a muito lança-perfume, confete e serpentina: “Pingou, pingou, pingou,/ Pingou mais não molhou,/ A chuva que era fina,/ Chuviscou mas não molhou”. Assim, a família foi construindo uma carreira musical pautada pelas disputadas de sambas, seja em festivais, clubes sociais ou programas de auditório. “A gente faz música desde criança. Nosso pai era funcionário público e flautista, construía o seu próprio instrumento. Então isso está no sangue”, explica Mauro.
Durante vários anos, os Irmãos Saraiva entregavam suas composições pare que os intérpretes pudessem apresentá-las e até gravá-las. “Nós cantávamos bem, mas não acreditávamos no nosso potencial”, admite Plínio. Num programa de auditório do saudoso Flávio Cavalcanti, na TV Tupi, incumbiram a um parceiro a tarefa de defender a composição Você chorou, na etapa final contra o então desconhecido Zé Ketti, autor do clássico A voz do morro.
Já no fim dos anos de 1970, Mauro e Plínio ajudaram a recém- criada Escola de Samba Canto da Alvorada a vencer quatro carnavais com sambas-enredo, sendo o último em 1988, 100 anos de abolição. Na época, a escola nascida nos terreiros do Clube Atlético Mineiro já contabilizava uma bateria com mais de 220 componentes, comandada pelo Mestre Afonso. No mesmo ano de 1988, também ajudaram a Vila Rica a subir para a elite do carnaval de Belo Horizonte, com o samba-enredo Cavalo alado, que empolgou os desfiles na Avenida Afonso Pena.
“Não acreditava nesse samba. Quando notei o samba foi crescendo, era lindo!”, relembra Plínio, primeiro intérprete da Canto da Alvorada. “O carnaval estava em uma curva crescente na época, sendo que Belo Horizonte só perdia para a festa do Rio de Janeiro. Aqui, a Cidade Jardim, de Ataíde Machado, dominava, e chegou a levar 11 títulos consecutivos. Quando nós aparecemos conseguimos derrotá-la”, completa Mauro.
Apesar de já terem músicas lançados em LPs e CDs de amigos, como Altamiro Carrilho, Bira Favela e Acyr Antão – além de hinos gravados para Cruzeiro e Atlético, os Irmãos Saraiva só entraram em estúdio para gravar o primeiro disco, em 2007. Uma das faixas do CD é Vida de pobre: “Pobre só come carne quando morde a língua/ Bebida de rico é uísque, champanhe de pobre é pinga/ Pobre só come arroz com feijão, rico só caviar, camarão/ Pobre só anda de lotação, o rico só de avião/ Com essa lei, pobre não pode viver/ Tem mesmo é que morrer de fome, aprender a votar, para um dia vencer...”
Trechos de reportagem do jornalista Zu Moreira para o Diário da Tarde - 09/04/2017