Segundo a antropóloga Kelly Adriano de Oliveira, doutora em ciências sociais pela Unicamp, tanto as mulheres quanto a religiosidade afro-brasileira tiveram um grande papel para que o samba conseguisse resistir, porque era dentro dos terreiros das casas das tias baianas -- cujo símbolo ficou marcado em Tia Ciata --, no espaço privado e escondido, que o samba podia acontecer.
“Assim que saiu do privado, onde se mantinha como resistência, e foi para o âmbito público, como símbolo nacional, as mulheres passaram a ter menos participação nesse processo, por causa de todo aparato machista da época, em que rua não era lugar de mulher, dentro outras questões... Daí começa a predominância masculina nos espaços de samba”, explica a antropóloga, em entrevista sobre a importância das mulheres negras mo samba.
No próximo sábado (9/11), mais um capitulo dessa história de resistência será contado com o Segundo Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba, movimento catalizado pela sambista carioca Dorina, que acontecerá simultaneamente em 27 cidades brasileiras, em 19 Estados, além de Lisboa (Portugal), La Plata (Argentina) e Florença (Itália). Na capital mineira, que participa desde a primeira edição, o encontro será realizado novamente no Contemporâneo Gastro Show, com a participação de um time de cantoras e instrumentistas de diversas gerações e estilos. A abertura oficial acontecerá às 17h, com transmissão simultânea ao vivo em todos os Estados.
"Não se trata só de samba, né? Trata-se de resistência da mulher nesse momento sombrio que estamos vivendo. E a gente se junta para falar, não só contra o machismo, mas contra a intolerância, o fascismo , pedindo respeito ao ser humano, um olhar para as crianças. São filhos, filhas, netos, netas, sobrinhos e sobrinhas e a gente tá ocupando esse espaço. Não tem volta!", avalia Dorina, ao ilustrar o sentido e o crescimento do projeto. O número de cidades participantes saltou de 15, no ano passado, para 28, segundo a cantora.
"Quanto a história de Belo Horizonte, conheço mais a Aline Calixto, mas sei que aí tem várias instrumentistas, cantoras e compositoras maravilhosas. Vamos que vamos, meu filho, porque o negócio da gente é lutar", disse Dorina.
Em Belo Horizonte estão confirmados mais de 50 participações: Adriana Araújo, Alcione Oliveira, Aline Calixto, Ana Proença, Analu Braga, Ângela Franco, Aninha Felipe, Bárbara Alves, Carla Gomes, Cinara Gomes, Cinara Ribeiro, Diza Franco, Dona Elisa, Dóris, Fabíola de Paula, Fernanda Régila, Fernanda Vasconcelos, Flávia Cardoso, Flávia Simão, Fran Januário, Giselle Couto, Grupo Teresa, Josy Sikeira, Júlia Rocha, Julie Amaral, Lívia Queiroz, Lívia Rosa, Luciene Gomes, Ludmilla Ferreira, Manu Dias, Marcela Nunes, Márcia Feres, Maria Elisa Pompeu, Mariana Martins, Mariana Viel, Marina Gomes, Marina Machado, Michelle Andreazzi, Michelle Oliveira, Natália Coimbra, Natália Pessoa, Paloma Alves, Pri Glenda, Raquel Seneias, Rayana Toledo, Regina Souza, Samba na Roda da Saia, Solange Caetano, Tia Elza, Vivi Amaral, Viviane Santos.
Este ano a homenageada é a cantora e compositora Leci Brandão, primeira mulher a fazer parte da ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira e que hoje também tem um papel importante na área política, ao se tornar deputada estadual por São Paulo.
Para a cantora Aline Calixto, "o segundo encontro vem para, mais uma vez, reforçar a importância do papel da mulher na cadeia produtiva do samba".
"Por anos, espaços que também seriam nossos por direito nos foram e, até hoje, são negados ou dificultados. Mas, entendo que estamos num processo importantíssimo de mudança. Se antes éramos invisibilizadas, hoje com a força principalmente do coletivo, conseguimos nos inserir nos mais variados espaços. Projetos como esse só fortalecem a nossa luta", afirma Calixto.