Todas as terças-feiras, um grupo de moradores, sambistas amadores e profissionais se reúnem no Centro Cultural Liberalino Alves de Oliveira, na Lagoinha, bairro berço do samba de Belo Horizonte, para cantar e comer o tira-gosto preparado especialmente pela decana da roda, a Dona Iolanda Alves Guerra.
Filha de militar e contemporânea de Mário Januário da Silva, o Popó, e José Dionísio de Oliveira, o Xuxu, fundadores da Pedreira Unida, considerada a primeira escola de samba de Belo Horizonte, Dona Iolanda era proibida pelo pai de pular o Carnaval da capital mineira das décadas de 1940 e 1950.
“Fazia do cabo de vassoura e do pano de chão um estandarte e ficava brincando de desfilar”, conta ela, depois de servir a panela de rabada com batatas, bastante caldo e rodelas de pão francês.
Dona Iolanda participa do Conversamba. O projeto é uma trincheira de resistência cultural para a preservação da memória de duas importantes comunidades do bairro, separadas fisicamente pela avenida Pedro Lessa: as favelas do Buraco Quente e da Pedreira Prado Lopes.
“Às terças-feiras acontecem o ensaio aberto do projeto. Eles se encontram para cantar suas próprias composições, retratando a vida na Pedreira e no Buraco Quente” explica Aline Tavares, coordenadora do Centro Cultural.
O projeto, segundo Tavares, foi retomado neste ano. Além dos ensaios, uma vez por mês há uma apresentação, no Mercado da Lagoinha, sempre com artistas convidados. O próximo evento está marcado para o próximo dia 23 de setembro, a partir das 10 horas, e os convidados são os “filhos da terra” Lagoinha e Ronaldo Coisa Nossa. Confira aqui.
Na última terça-feira, o ALMANAQUE DO SAMBA acompanhou o quinto ensaio do grupo, que tem como destaque na cozinha Janjão e Wanderson Batista (cavaquinho), Had (violão), Mestre Linguinha (pandeiro) e Digão (surdo).
No coro dominado pelas mulheres, Dona Iolanda, Adélia, Tânia e Denise, entre outras, vão se revezando no microfone. Sobre o olhar de Lagoinha e Ronaldo Coisa Nossa, Denise (nora de Dona Iolanda) protagonizou uma das cenas mais emocionantes da noite.
Ela cantou Jornada, música de Mário César, que retrata o olhar do morador da Pedreira Prado Lopes sobre a cidade (confira vídeo abaixo com trecho da música).
“Quem fala do morro, não sabe mesmo o que que diz, agradeço ao firmamento, sou favelado e sou feliz”, diz a letra.
“A gente quando tem lápis e papel na mão faz estrago”, brinca Mário César, que comandou por vinte anos a Unidos dos Guaranis, escola de samba da Pedreira Prado Lopes. Hoje, o Maioral é diretor de carnaval da escola e presidente da velha guarda.
“Moro aqui desde criança e tenho muito orgulho daqui”, conta Adélia Mendes, filha de Paulo Mendes, boêmio que ajudou a fundar o Leão da Lagoinha, um dos mais antigos blocos de rua da cidade, com cerca de 70 anos de estrada.
Num período marcado pela escalada da criminalização da pobreza e do povo favelado, sempre importante lembrar que as comunidades são constituídas, em sua maioria, por gente trabalhadora e criativa.
O resto é conversa pra boi dormir.