O reconhecimento de paternidade bateu recorde na pandemia, com mais de duas mil audiências virtuais realizadas, desde março de 2020, pelo Centro de Reconhecimento de Paternidade (CRP), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Uma dessas audiências que terminaram com final feliz diz muito respeito ao universo do samba.
Foi em 2014, durante um trabalho social na Vila Estrela, que o publicitário Filipe dos Santos passou a se interessar pela existência do pai biológico - pois o afeto do avô materno e de uma rede de parentes e amigos o supria dessa ausência.
Um dos primeiros a alertar sobre a semelhança e possibilidade de parentesco entre ele e um sambista da velha guarda de Belo Horizonte foi o cantor Bira Favela, com quem o pai de Filipe trabalhou na década de 1980, quando integravam o Grupo Favela.
Desde então, o criador do Viva Lagoinha (projeto de valorização do berço da boêmia de BH), passou a conviver com a ideia de uma dia conhecer o suposto pai, o que aconteceu em 2018, quando houve a primeira aproximação.
Na segunda-feira passada (26), aos 38 anos, Filipe dos Santos e Clésio de Souza Bernardo participaram da audiência em que receberam o exame de de DNA, que revelou Filipe é filho biológico do sambista mineiro, Simão de Deus.
"Eu optei por fazer o DNA porque minha mãe não havia confirmado se, de fato, ele era meu pai, e o resultado aliviou sim uma certa tensão que eu tinha. Com a resposta positiva, meu pai está todo orgulhoso. É muito engraçado vê-lo superfeliz com o 'novo' filho", revelou o publicitário, em reportagem no portal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Na reportagem, cujo personagem central é a dupla, o TJMG comemora o recorde de mais de mil audiências virtuais realizadas na capital mineira, desde o início da pandemia, para o processo de averiguação de paternidade.
"É um recorde, pois, em 2020, houve 682 reconhecimentos online e, só nos primeiros quatro meses de 2021, já foi feita quase a metade do número de audiências do ano passado. Foram mais de 400 agendamentos de exames de DNA nesse período. O CRP realiza também o reconhecimento espontâneo, sem necessidade do exame, e o reconhecimento socioafetivo", diz o portal.
Casos como o de Filipe e Simão de Deus são comuns no meio do samba, em que ainda é tabu (assim como na sociedade em geral) falar sobre o reconhecimento de paternidade. "Sempre houve na sociedade a questão de filhos fora dos relacionamentos, a mulher sendo abandonada, sambistas com cinco, seis, dez filhos de várias relações, isso felizmente está mudando", disse um compositor que preferiu o anonimato.
Em 2018, segundo o IBGE, o Brasil tinha aproximadamente 11,5 milhões de mulheres que não podiam contar com a presença e responsabilidade dos pais para cuidar e educar seus filhos.
Simão de Deus conheceu a mãe de Filipe, uma enfermeira hoje aposentada, durante um baile no Elite.
O sambista é cria da Escola de Samba Inconfidência Mineira. Depois de desfilar pela escola por muitos anos, cantando e tocando, se apaixonou pelo ritmo e se especializou em surdo e tamborim. Aos 24 anos, tirou a carteira de músico profissional na Ordem dos Músicos, como ritmista. Depois do documento em mãos, Simão participou de grandes grupos de samba de Belo Horizonte nas décadas de 1970 e 80, como Terreiro Samba Show, Os Pretões e Grupo Favela.
Além de músico, Simão foi professor de música por mais de 30 anos. Como professor, trabalhou nas melhores casas de dança de salão e gafieira da cidade, como o lendário Elite, localizado na Avenida Bias Fortes, com uma longa escada que levava a um salão iluminado, repleto de amantes da gafieira. Ali, Simão deslizava o sapato bicolor, ora ensinando, ora se divertindo, e enchendo os olhos de quem o assistia. O dançarino passou também pelo Montanhês e Estrela e foi convidado a ensinar seus passos para os sócios do Minas Tênis Clube e Pampulha Iate Clube. Simão também recebia alunos para aulas particulares.
Para Filipe, um agitador cultural atuante na Lagoinha, a divulgação de sua experiência pessoal é importante para chamar a atenção dos sambistas sobre a importância desse ato (do reconhecimento) para a harmonia e o fortalecimento dos laços familiares. "É um serviço oferecido pelo Tribunal de Justiça que precisa ser divulgado para que as pessoas busquem os seus direitos", diz. "Eu fiquei muito impressionado com o atendimento, a agilidade e a forma humanizada com que os servidores tratam a situação. Do pedido inicial até a audiência, tudo durou pouco mais de 30 dias. Foi incrível", disse ao portal.
Outro filho do músico também teve o processo de averiguação de paternidade feito pelo CRP. A mãe biológica do ator Marcus Vinícius Liberato, de 36 anos, e o pai fizeram o reconhecimento voluntário, sem a necessidade de DNA, diretamente no Fórum Lafayette, na capital mineira. Segundo o portal do TJMG, agora, os filhos do sambista se uniram. Marcus Vinícius, Filipe e outros quatro irmãos. "A gente já estava muito próximo. Recebi mensagem no grupo dos irmãos dizendo que, se o resultado fosse negativo, ia continuar tudo do mesmo jeito", afirmou Filipe.
Serviço
A solicitação de reconhecimento de paternidade pode ser feita diretamente pelo portal www.tjmg.jus.br. Acesse a aba "Cidadão", logo depois "Ações e programas" e "Centro de Reconhecimento de Paternidade", preenchendo todas as informações necessárias.
Segundo o portal, o serviço é oferecido desde 2011 pelo TJMG e já promoveu quase 20 mil reconhecimentos. Ele funciona permanentemente no fórum, onde os servidores realizam todos os procedimentos e encaminhamentos necessários para quem deseja obter o reconhecimento de paternidade.
No CRP é possível realizar também o reconhecimento socioafetivo. Nessa modalidade, que antes só era possível com uma ação judicial, a paternidade ou a maternidade são reconhecidas a partir do vínculo de amor constituído entre filho e pais, desde que não haja o nome de um ou outro na certidão de nascimento.
Mais informações pelos telefones (31) 3330-4365 / 4366 ou pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..