CRÍTICO DA FOLIA DE BH

Sambista mineiro luta para levantar os desfiles de rua e fortalecer as escolas e blocos

Velho conhecido das rodas e quadras das escolas de samba de Belo Horizonte, Mestre Afonso tem um extenso currículo de serviços prestados ao gênero. Foram 18 anos dirigindo a bateria das principais agremiações carnavalescas da capital, onde recebeu nota 10 em todas. Atuou ainda como músico da noite de BH, tendo acompanhado figuras como Marilton Borges e Maurício Tizumba, além de produzir eventos e grupos da linha do Descontrasamba e Skindô. Faz palestras em seminários sobre o samba, escreve artigos para jornais e revistas e navega pelas ondas do rádio, dividindo com o radialista Acyr Antão um programa sobre samba aos domingos. Mantém um acervo de mais de 40 títulos relacionados ao gênero, fora os 1.600 LPs, CDs e DVDs. Espera por um patrocínio para editar um livro com mais de 200 histórias verídicas sobra a história do samba de BH.

“Uma vez, o sambista Nonato se apresentava no Ginga Pura, onde é hoje o Lapa Multshow. A turma estava tocando no palco e o banheiro era do outro lado do salão. Então, o pessoal aproveitava os copos plásticos de cerveja, entrava na coxia e resolvia o seu problema. O Nonato, em um momento de pura infelicidade, trocou os copos e bebeu aquele líquido de uma golada só”, diverte- se Mestre Afonso, contando que o livro tem ainda histórias sobre enterros e velórios – no mundo do samba chamados de gurufins, viagens e outras coisas ligadas ao universo do samba. “Fiz para que os sambistas se eternizem através do livro”, completa.

Tão indigesto quanto o caso do sambista Nonato são as posições e críticas feitas por Mestre Afonso em relação à organização do samba e do carnaval de Belo Horizonte. Na sua avaliação, ainda faltam profissionalismo e união, seja por parte do poder público ou dos próprios sambistas. “Não mudou muita coisa. Nosso samba ainda é muito dependente”, avalia. Um dos pontos criticados pelo sambista é a divisão entre as rodas de samba e as agremiações carnavalescas, diferentemente do que acontece no Rio de Janeiro, onde um completa o outro.

“Do ponto de vista das rodas, estamos muito bem, porque existem umas 300 nas cidades. Em todos os lados tem gente cantando e tocando samba. Agora, nossas escolas de samba estão falidas. Temos hoje blocos desfilando na avenida com 250 componentes, que é o que pede o regulamento. Isso, para mim, é falência”, dispara. Com o aval de quem foi convidado para ser um dos mestres-auxiliares da bateria estandarte de ouro da Acadêmicos da Grande Rio, convite do qual se curvou por não poder morar na cidade maravilhosa para se dedicar à missão, Mestre Afonso acredita que as escolas de samba da cidade deviam ser dirigidas com mais profissionalismo, primar pela formação de mão de obra e de novos ritmistas.

“Para mim, escola de samba é quem ensina. De sete escolas que desceram neste ano, quatro diretores de bateria começaram comigo, foi eu quem formei. Então, antigamente, a gente formava mestre-sala, porta-bandeira, diretor de bateria, até carnavalesco. Hoje, a coisa virou uma fanfarra”, completa, ao enfatizar também o papel social das agremiações, que podem ser alternativa para jovens hoje imersos no mundo das drogas e da criminalidade. “Meu sonho era fazer uma trabalho pesado, alinhar essas escolas de samba e até os blocos, como entidades assistenciais. Já formei mais de 100 músicos na cidade. Eles levam o pão para casa por meio da música. Tinham uns que levavam por meio do bico do revólver”, ressalta.

TAMBORIM - De uma certa forma, Mestre Afonso tenta devolver “aos comandados” toda a sorte que a vida lhe deu. Quando criança, foi deixado em uma caixa de papelão na porta da casa de seus pais adotivos: Afonso Marra, descendente de italianos, e Hermínia Gonçalves, de família portuguesa. “Não tenho vergonha da minha história, que é motivo de orgulho”, garante, no auge de seus 57 anos, casado e pai de um casal de filhos.

As 10 anos, Afonso Marra Filho morava no Bairro do Prado, na região Oeste de BH, quando da janela da casa ouvia o batido da extinta escola de samba Unidos do Prado, comandada por “Ladil”, contemporâneo de bambas Mestre Conga e Jadir Ambrósio. “Naquela época, usava-se o tamborim de cintura, feito com lata de carbureto e coberto de couro de gato. Então, o Ladil me presenteou com um tamborim com a seguinte recomendação: quando voltar aqui, se não souber tocar o tamborim, vai apanhar. No dia em que voltei lá, sem falsa modéstia, toquei o tamborim”, recorda.

A partir daí a paixão de Mestre Afonso pelo samba tomou conta. Passou pelas principais escolas de samba da cidade, incluindo sua escola do coração: Unidos dos Guaranis. Porém, o surdo de primeira da Estação Primeira de Mangueira falou mais alto e o sambista se tornou um dos maiores apaixonados pela verde- rosa, sendo homenageado pela agremiação de Cartola, como personalidade do samba em 1992, ano que a escola teve como tema o maestro Tom Jobim.

LEGENDA - Mestre Afonso, que durante 18 anos dirigiu a bateria das principais agremiações carnavalescas da capital, quer contar sua história e a do samba de BH em um livro com mais de 200 casos verídicos

“Para mim, escola de samba é quem ensina. De sete escolas que desceram neste ano, quatro diretores de bateria começaram comigo, foi eu quem formei. Então, antigamente, a gente formava mestre-sala, porta-bandeira, diretor de bateria, até carnavalesco” Mestre Afonso – sambista

Músico é contra desfiles das escolas de samba na Via 240

Umas das reivindicações de Mestre Afonso para o “engrandecimento” dos desfiles das escolas e blocos caricatos de Belo Horizonte está virando realidade. A Belotur, organizadora do evento, estuda a possibilidade de antecipação do carnaval oficial de Belo Horizonte, proposta que vinha sendo debatida entre o meio carnavalesco da cidade. Pelo projeto, em 2008 a folia aconteceria entre 25 e 27 de janeiro, com os desfiles das escolas de samba e blocos caricatos na Via 240, corredor que serve à região Norte da cidade e que liga Belo Horizonte a Santa Luzia. Oficialmente, o carnaval será realizado entre os dias 2 e 5 de fevereiro.

“Precisamos de mais apoio do poder público, dos sambistas e da própria imprensa. No fim da década de 1980, Belo Horizonte era o segundo carnaval do país. Ninguém falava em Bahia ou São Paulo”, comenta, ao lembrar que, quando era diretor de bateria da Canto da Alvorada, desceu para
a Avenida Afonso Pena com uma bateria de 220 componentes.

Mestre Afonso também discorda do desfile das escolas de samba na Via 240 e de qualquer projeto em transformá- la em uma passarela do samba. Para Mestre Afonso, antes de qualquer investimento em infra-estrutura, a prefeitura deveria fortalecer as agremiações da capital. “Não podemos começar uma casa pelo telhado”, justifica. Ele questiona o fato de eventos dos portes do Axé Brasil e do Arraial de Belô serem realizados, respectivamente, no Mineirão e na Praça da Estação, enquanto que o carnaval é “jogado para um canto da Via 240”.

“O sambista busca o crescimento. Para ficar pequeno, desfilamos no meio da rua, no nosso bairro”, cutuca Afonso, cujo último carnaval de que participou como mestre de bateria foi em 1991, quando o desfile era realizado na Via Expressa, próximo a Contagem. “A minha briga não é pelo presidente
da escola, é pela velha baiana, que hoje, aos 90 anos, só sonha com o carnaval, e com os filhos e os netos dela, que estão na bateria, estão bordando, consertando os carros. Meu povo é esse”, garante.

Como positivo no samba, ele detecta o movimento de uma nova geração de sambistas, que chega com outras propostas e privilegia o estudo da música. Ele também sai em defesa dos pagodeiros:
“Não gosto dessa expressão como termo pejorativo porque, se fosse assim, para Cartola o Zeca era um pagodeiro, para Sinhô o Cartola era pagodeiro e vamos chegar na Chiquinha Gonzaga, que para ela todo mundo era pagodeiro. Então, é mais uma expressão que divide a nossa arte”. (ZM)

 

 

 

Visto 4112 vezes Última modificação em Terça, 12 Junho 2018 00:28
Redação

A equipe Almanaque é composta por: Jornalistas, compositores e pesquisadores do Samba de Minas Gerais

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