Vida de compositor é dura, principalmente para aqueles que não têm o privilégio de serem requisitados pelo astros e são obrigados a correr atrás para ver (e ouvir) suas músicas gravadas e tocadas nas rádios. O sambista mineiro Serginho Beagá que o diga: para saborear do sucesso da canção Me leva, música que dá nome ao penúltimo disco de carreira do cantor Agepê, gravado em 1992, teve que, no Rio de Janeiro, ao lado do parceiro Toninho Geraes, “ralar” muito.
Serginho conta que a música, na verdade, foi feita para o cantor mineiro e colecionador de calcinhas Wando, que na época ainda se aproveitava do estouro de Fogo e paixão (“Você é luz, é raio estrela e luar”...). “Isso é uma grande brincadeira dele, porque a melodia lembrava o sucesso do Wando”, diz Toninho Geraes, tentando desfazer o imbróglio criado pelo seu principal parceiro em Minas Gerais, desde os tempos da escola de samba Cidade Jardim.
A empreitada não deu muito certo e os dois foram parar na casa do cantor Elson do Forrogode, primeiro a gravar Talismã, uma das pérolas da dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas. “Soubemos que estava escolhendo repertório para o próximo disco. Quando batemos em sua porta, ele disse: ‘Toninho, você vai me desculpar, mas não vai dar pra gravar, já fechei o disco”, recorda Beagá. Desanimados, voltaram para casa a pé, com pouca grana no bolso, mas o suficiente para fazer escala nos botecos da cidade maravilhosa.
Em um restaurante na zona Sul, porém, avistaram Antônio Gilson Porfírio (ele mesmo, o Agepê) em companhia de outros artistas e compositores. “Depois de mostrar algumas músicas, o Toninho Geraes foi logo desabafando, se dizendo triste com a forma com que Forrogode havia nos tratado”, continua. Agepê, então, pediu para que a dupla mostrasse a tal música. A princípio, Me leva foi composta como uma balada, mas diante do interesse do cantor de Deixa eu te amar, Serginho Beagá recebeu um cutucão de Toninho Geraes para que a tocasse em ritmo de samba. A tática deu certo. “É essa, gravei!”, empolgou-se Agepê. A canção foi a última entrar no disco lançado pela antiga PolyGram.
Mas a história não parou por aí. No pré-lançamento do disco, a gravadora ofereceu um coquetel a artistas convidados de Agepê para uma audição do material. A música de trabalho era Explode, mas, ao ver a reação do público ao ouvir “Me leva, oh vento, me leva pra ela, me leva, me faz ficar junto dela, é desse amor que eu preciso...”, a produção mudou de idéia. Além de se tornar o carro-chefe, Me leva virou nome do disco.
FAMÍLIA - História parecida aconteceu quando foram mostrar Samba guerreiro para a maior partideira do país: Jovelina Pérola Negra. A mesma dupla, Toninho Geraes e Serginho Beagá, fez três tentativas sempre com a mesma música, apresentada de forma diferente. Jovelina se curvou na terceira e a canção também viria a ser o nome do disco, gravado em 1996.
“Depois que gravei com Agepê, deu para melhorar a vida, sustentar a família legal. Até hoje ele vende música. Foi uma vitória bacana, uma realização muito mais profissional do que material”, afirma. Parte do dinheiro arrecadado com os direitos autorais foi usado por ele e Toninho Geraes para gravar o LP Canto da raça, álbum que reuniu uma nova geração de compositores e intérpretes de Belo Horizonte, como Ricardo Barrão, Fabinho do Terreiro, Bira Favela, o grupo Ki-Samba Show, do qual Serginho fez parte por 12 anos, entre outros. O compositor mineiro também tem outros sucessos gravados por bambas do gênero, tipo Neguinho da Beija-Flor (Dom que Deus deu, Luz do infinito) e Leci Brandão (Reconquista).
“Se for preciso ainda fazemos essa peregrinação hoje”, garante Serginho Beagá, ao revelar que tem material para mandar para três artistas de sua predileção: Alcione, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila. Enquanto esse momento não chega, segue tocando seus projetos. Pretende lançar ainda neste ano Bodas de samba, sexto disco solo do sambista, que pretende convidar Leci Brandão, Biro do Cavaco e Tobias, presidente da escola de samba paulista Vai Vai. Ele adianta que o álbum vai reunir também um pot pourri de sambas-enredo, sua primeira escola na composição, além de músicas que marcaram sua trajetória ao longo de 30 anos de carreira. “Talvez vamos fazer no formato ao vivo. Estamos captando recursos e pretendo gravar o disco ainda neste ano”.
Serginho Beagá, que começou nas quadras de escolas de samba, diz que hoje faz menos shows – já chegou a se apresentar 20 vezes por mês, seja no interior do estado, em diversas cidades do país ou no exterior. No início da década de 1980, estreou no bloco Partido-Alto, do Bairro Ipiranga, região Nordeste de Belo Horizonte, ganhando um concurso de samba-enredo. Depois, passou pela Cidade Jardim, Canto da Alvorada, Inconfidência Mineira, entre outras, e é um dos fundadores da Império da Nova Era, formada por moradores da Região Nordeste, a vice-campeã do carnaval de Belo Horizonte em 2007.
Semana passada Sérgio Ramos completou 49 anos. Nascido em Belo Horizonte, desde a infância mora no mesmo endereço: Rua Harmonia, no Bairro São Paulo. Casado com Laudiene há 29 anos, pai de quatro filhos e avô de duas netas, o sambista sentiu o gosto pela música desde cedo. Seu avô era maestro da tradicional Banda de Santa Cecília, em Ouro Preto, e sua mãe, a dona-de-casa Dulce Aparecida Ramos é prima de Waldir Silva. Aos 6 anos, ganhou de presente da mãe seu primeiro cavaquinho.
“Aos 5 anos, ouvi Pedacinho do céu, de Waldir Azevedo, e chorei muito. Com 6 fui estudar, fui aprendendo aos poucos e compus a primeira música com 12, por sinal, um samba”, conta. Devido à influência da família, Serginho Beagá se fez um sambista diferente: não fuma, não bebe e se mete até nas artes plásticas. “Desenho desde criança e hoje tenho quadro espalhado pelo mundo todo. Nunca fiz exposição. Às vezes, faço happy hour e mostro meus quadros. Teve uma noite que cheguei a vender mais de R$ 9 mil”, comemora.
No entanto, o artista admite que, assim como na música, suas criações saem naturalmente, já que sempre foi avesso aos estudos – tem apenas o quarto ano primário. Sua faculdade sempre foi a vida. Passou várias temporadas no Rio de Janeiro, em São Paulo e até no Japão, mas sempre volta à capital mineira. “No começo, várias vezes fui preso, apanhei, tomei tapa na cara. Mas tenho orgulho dessa evolução do samba, porque hoje sinto que não estava errado”, diz. Foi no Rio, aliás, que foi batizado como Serginho Beagá. No estúdio de gravação do disco Bamba Brasil, produção de Milton Manhães que reunia sambistas de várias partes do país, quando o diretor musical chamou o “Serginho do Cavaco” levantaram uns cinco. Por sugestão de Toninho Geraes, passou a usar Belo Horizonte como sua alcunha artística.
O sambista tem uma longa trajetória na história da música. Participou como cavaquinista do grupo Ki-Samba Show, depois foi para o Rio e integrou as bandas de Neguinho da Beija-Flor e Dominguinhos do Estácio. Nesse intervalo, fez e cantou jingles para campanhas políticas, foi serralheiro, pedreiro, pintor e sapateiro. “Serginho sacrificou sua carreira no eixo Rio-São Paulo para se dedicar à família, por isso o admiro muito. As coisas mais bonitas que compomos juntos ainda estão inéditas, guardadas em nosso baú”, diz Toninho Geraes, que há tempos se fixou no Rio. (ZM).
Trechos de reportagem do jornalista Zu Moreira para o Diário da Tarde - 28/05/2017
Discografia
SERGINHO BEAGÁ AO VIVO [2018]
MEU CANTO [2016]
VIDA NOVA [2015]
EU SOU DO SAMBA [2004]
CAVAQUINHO AMIGO [2000]
IMPRESSÃO DIGITAL [1994]
BAMBA BRASIL (1986) Antigo "pau de sebo" das gravadoras com três músicas de autoria do Serginho Beagá, sendo duas interpretadas por ele.
Site: http://serginhobeaga.com/
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